Cerca de mil mulheres vivem em seis campos de bruxaria em Gana |
Samata Abdulai, aos 82 anos, foi forçada a abandonar o seu
povoado para viver no campo de Kukuo. O destino desta mulher idosa mudou após
um de seus irmãos acusá-la de ser a bruxa responsável pela morte de sua filha,
supostamente por causa de uma maldição lançada por Abdulai.
Hoje
ela é mais uma moradora dos “campos de bruxas” de Gana, mas essa tradição é um
costume em várias partes da África, onde são colocadas as pessoas acusadas de
fazer uso de magia negra.
Um
desses campos é Kukuo, que reúne cerca de mil mulheres vivendo em barracos
cheios de goteiras, sem acesso a eletricidade, esgoto ou água
encanada. Para apanhar água, as “bruxas” do local precisam andar cerca de
5 km diariamente até um rio.
A
vida da viúva Abdulai era bem diferente quando ela vivia no vilarejo de Bulli,
distante dali a cerca de 40 km. Ela vendia roupas de segunda mão e cuidava de
suas netas gêmeas, enquanto sua filha trabalhava nas plantações de algodão.
Um
relatório divulgado recentemente pela ONG ActionAid afirma que mais de 70% das
moradoras do campo de Kukuo foram acusadas de feitiçaria e expulsas de suas
aldeias. Após a morte dos seus maridos elas não tinham ninguém para
protegê-las. Porém, muitos acreditam que as acusações de bruxaria são, na
verdade, uma forma disfarçada de a família ficar com os bens da viúva.
“Os
campos são uma manifestação dramática da condição da mulher em Gana”, afirma
Dzodzi Tsikata, professor da Universidade de Gana. ”Essas idosas viram
presas fáceis quando deixam de ser úteis à sociedade.”
Para
o Songtaba, um grupo que luta pelos direitos das mulheres, as mulheres de
opinião forte rapidamente se tornam vítimas de acusações de feitiçaria. “A
expectativa cultural é que as mulheres sejam submissas, então, quando elas
começam a dar muitas opiniões ou serem bem-sucedidas em seu ramo, passam a ser
acusadas de estar possuídas por maus espíritos”, explica o acadêmico.
Qualquer
comportamento fora dos padrões também pode ser interpretado como evidência
posse por espíritos. “Nas comunidades tradicionais, não há compreensão real do
que seja depressão ou demência”, diz o doutor Akwesi Osei, psiquiatra-chefe do
serviço de saúde de Gana. Ele acredita que a maioria das mulheres desses campos
apresentou algum tipo de doença mental.
O
governo de Gana vê os campos como uma mancha na reputação de uma das nações
mais democráticas e economicamente vibrantes da África. Por isso, no ano
passado, afirmou que tomaria medidas para acabar o quanto antes com os seis
existentes atualmente. Mas enviar as mulheres de volta para suas aldeias de
origem agora seria uma decisão perigosa.
“Temos
que trabalhar muito com as comunidades para que possam voltar sem serem
linchadas ou novamente acusadas, se, por exemplo, uma vaca pula uma cerca e
derruba alguma coisa”, afirmou a diretora da ActionAid em Gana, Adwoa
Kwateng-Kluvitse. Em sua opinião, isso pode levar entre 10 e 20 anos.
Por
enquanto, mulheres como Samata Abdulai continuam seguindo a tradição ao
chegarem nos campos. Elas precisam oferecer uma galinha como oferenda ao chefe
religioso. O sacerdote idoso murmura algumas palavras e depois corta a
garganta da ave.
Se
a ave cair de costas, isso demonstra que a “bruxa” é inocente e está pronta
para ser purificada com uma espécie de água benta. Do contrário, a “bruxa”
precisa beber uma poção com efeito purificador, feita com sangue de galinha,
crânio de macacos e terra.
Mas, para o ritual de exorcismo funcionar, a mulher não pode ficar doente nos
próximos sete dias. Se ficar, tem de tomar a poção novamente.
Mas
isso não significa que Samata pode ir para casa. Mesmo que ela seja
inocente, as crenças que a condenaram a uma vida de exílio estão arraigadas tão
profundamente que ela nunca conseguiria viver em segurança novamente.
“Quando
você é acusada de praticar bruxaria, perde a dignidade. Sinceramente, tenho
vontade de acabar com a minha vida… Fiquei confusa e temerosa, pois sabia que
era inocente. Mas também sabia que, ao ser considerada uma bruxa, minha vida
passou a correr perigo. Por isso, não perdi tempo, juntei as minhas coisas e
fugi do povoado”, contou ela à rede BBC.
Sua
maior tristeza é que nunca mais verá os netos novamente. ”Eu me preocupo
com quem vai cuidar dos gêmeos”, diz ela em voz baixa. ”Eu era a única que
lhes dava banho e colocava na cama. Quem vai fazer isso agora?”,
finaliza.
Traduzido de BBC
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