O
vice-presidente Michel Temer (PMDB), reeleito em 2014 na chapa com Dilma Rousseff
(PT), endereçou uma carta à mandatária expressando seu “desabafo” em relação à
posição “figurativa” a que foi relegado ao longo dos quatro anos do mandato
anterior, e ao desfeito em relação aos seus esforços para ajudá-la a contornar
o “desprestígio” do governo ao longo do atual mandato.
Elegante,
o texto de Temer não diz, de forma expressa, que ele rompeu politicamente com
ela. Advogado, o vice-presidente é profundo conhecedor do sistema jurídico
brasileiro – é tido como um dos mais brilhantes estudiosos da Constituição
Federal de 1988, com títulos publicados – e, dessa forma, quis evitar qualquer
acusação de descumprimento de funções atribuídas institucionalmente ao vice.
No entanto, as palavras de Temer não podem ser
interpretadas de outra forma: o vice-presidente da República, e presidente do
PMDB, rompeu politicamente com Dilma. E as implicações disso podem trazer mais
convicção ao andamento do processo de impeachment da
presidente.
A
iniciativa de escrever uma carta à presidente teria sido motivada pelas
recentes declarações de Dilma sobre “ter absoluta confiança” em Temer. Em certo
trecho da carta, o vice-presidente demonstrou incômodo com essas declarações e
frisou que “desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a
necessidade da minha lealdade”, e completa: “Tenho-a revelado ao longo destes
cinco anos”.
Temer
disse ter “ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em
relação a mim e ao PMDB”, mesmo tendo sido leal a ela no período em que ambos
ocupam os atuais cargos. “Desconfiança incompatível com o que fizemos para
manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo. Basta ressaltar que na
última convenção apenas 59,9% [dos dirigentes do PMDB] votaram pela aliança. E
só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à vice”,
sustenta o vice.
Ao final
da carta, Temer define sua postura: “Sei que a senhora não tem confiança em mim
e no PMDB hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”.
De acordo
com informações da rádio Jovem Pan, Temer escreveu a carta em São Paulo (SP), e
pediu à sua chefe de gabinete que entregasse o documento pessoalmente à
presidente Dilma Rousseff. No entanto, trechos da carta vazaram à imprensa, o
que gerou ainda mais desconforto.
Em
entrevista ao jornalista Jorge Bastos Moreno, de “O Globo”, Temer confirmou que
havia enviado a carta, mas que se frustrou com o vazamento: “Escrevi uma carta
confidencial e pessoal à presidente […] Mais uma vez avaliei mal. Desembarquei
em Brasília agora à noite e me surpreendi com o fato gravíssimo de o Palácio
ter divulgado”, afirmou, contrariado.
Ainda nessa entrevista, Temer voltou a desmentir
declarações de ministros de Dilma sobre sua suposta posição contrária ao rito
do impeachment: “Eu já
tinha me decepcionado quando os ministros Edinho Silva [Comunicação Social] e
Jaques Wagner [Casa Civil] divulgaram versões equivocadas do meu último
encontro com a presidente […] Eu havia sido comunicado pelo Eduardo Cunha que
ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de
fazê-lo e depois o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de
que a decisão não tinha lastro jurídico. Constrangido, tive que desmenti-lo. O
acolhimento tem sim lastro jurídico”, cravou.
O processo de impeachment contra
Dilma, se levado adiante e com decisão favorável, daria a Michel Temer o cargo
de presidente até 31 de dezembro de 2018.
Confira a
íntegra da carta de Michel Temer a Dilma:
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
“Verba volant, scripta manent”. [As palavras voam,
os escritos se mantêm]
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso
noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas
no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já
deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear
publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes
cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da
Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição
conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta
desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB.
Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e
partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas
59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o
candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu
governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do
respeito que granjeei no partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera
desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1.
passei os
quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. a senhora sabe disso.
perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido
usado pelo governo. só era chamado para resolver as votações do pmdb e as
crises políticas.
2.
Jamais eu ou
o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do
país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
3.
A senhora,
no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil
onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo.
Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei
a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4.
No episódio
Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas
“desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem
nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área,
indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que
ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”.
5.
Quando a
senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento
em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha,
aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos
trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se
aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os
acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60
reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa
credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6.
De qualquer
forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder
Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e
Presidente do Partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados
por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o
Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7.
Democrata
que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos
24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi
aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV,
recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa
visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas
oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu
difundir e criticar.
8.
Recordo,
ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice
Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me o que
gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o
Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no
episódio da “espionagem” americana, quando as conversar começaram a ser
retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice
Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de
confiança.
9.
Mais
recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi
divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10.
Até o
programa “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, cujas propostas
poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi
tido como manobra desleal.
11.
PMDB tem
ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no
passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo
manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a
unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de
que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em
mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, \ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.
Nenhum comentário:
Postar um comentário