Segundo
o teólogo Mário de França Miranda, que é professor da Pontifícia Universidade
Católica (PUC) do Rio de Janeiro, e ex-membro da Comissão Teológica do
Vaticano, a Igreja Católica precisa mudar: “Já está mudando. Ou muda ou acaba.
É um momento sério da sociedade, faltam líderes. Onde estão os Churchill, De
Gaulle, Adenauer? Não tem mais, está faltando líder. Na Igreja também, e os
problemas são muito grandes. As religiões têm um papel muito forte no mundo de
hoje, e a Igreja tem de ser uma reserva ética, apesar dos mal feitos da
cúpula”, observa.
Miranda
é também escritor de livros que abordam a teologia, e sob seu ponto de vista, o
novo Papa deverá ser escolhido a partir de uma preocupação com o
reposicionamento da Igreja Católica no mundo: “Os cardeais terão de fazer um
perfil de uma pessoa que entenda o mundo e saiba enfrentar esses desafios
todos. Tem de ter boa formação pastoral e intelectual, capaz de se cercar de
pessoas competentes”.
Na
entrevista concedida ao jornal O Globo, o teólogo lembra que o formato atual da
Igreja Católica é o oposto das origens do cristianismo: “Chegou um momento em
que a Igreja, só com os oficiais, padres, bispos e Papa, não aguenta mais. Esta
estrutura foi uma traição à Igreja primitiva, em que todo mundo participava e
tinha direitos iguais de participação. Todos são iguais, não tem homem, mulher,
judeu, gentio ou escravo e senhor”, lembrando que “passou o tempo e a Igreja
ficou identificada por seus bispos, padres etc. É errado, né? Todo cristão,
todo católico, tem o direito de formar um grupo, com o qual a hierarquia não
pode se meter. A Igreja do futuro vai ser predominantemente leiga ou então não
vai aguentar”.
O
sentido da Igreja em si, precisa ser resgatado, segundo Miranda, que ressalta a
função primária do cristianismo: “É, há paróquias que viraram agências de
fornecer sacramento, isto está condenado. Tem de ter o sentido missionário. É o
que se está tentando fazer agora. Mas é lento. Quando eu fui da Comissão
Teológica do Vaticano, não tinha nenhuma mulher, agora já tem quatro. Não há
dúvidas de que o fim do celibato já deveria ter acontecido, Paulo VI era a
favor disso”, observa, ressaltando a questão do celibato, que é apontada por
muitos como um dos motivadores da existência de pedofilia dentro da Igreja
Católica.
Confira abaixo, a íntegra da
entrevista concedida pelo teólogo Mário de França Miranda à jornalista Helena
Celestino, do jornal O Globo:
Como a Igreja vai sobreviver ?
Chegou um momento em que a Igreja, só
com os oficiais, padres, bispos e Papa, não aguenta mais. Esta estrutura foi
uma traição à Igreja primitiva, em que todo mundo participava e tinha direitos
iguais de participação. Todos são iguais, não tem homem, mulher, judeu, gentio
ou escravo e senhor. Depois a Igreja erigiu uma estrutura monárquica, um pouco
copiada de Roma. Foi consequência da chegada dos príncipes, que começaram a
nomear parentes para tomar conta das muitas propriedades da Igreja. Era preciso
estruturar ou tudo ia ficar na mão de famílias poderosas, nobres. Para evitar
isso, o laicado foi afastado do poder da Igreja – o laicado não era o povão,
eram estes príncipes que estavam cada vez incomodando mais. Passou o tempo e a
Igreja ficou identificada por seus bispos, padres etc. É errado, né? Todo
cristão, todo católico, tem o direito de formar um grupo, com o qual a
hierarquia não pode se meter. A Igreja do futuro vai ser predominantemente
leiga ou então não vai aguentar.
O Grupo de diversidade católica, que reúne gays, é um exemplo do
que o senhor está dizendo?
Exatamente. É um grupo de pessoas que
são assim. A Igreja não pode excluir, tem de atender todo mundo. É uma maneira
de a Igreja mostrar sua abertura. A consciência histórica é lenta. Teve um
tempo que os missionários se perguntavam se tinham que batizar ou não os negros
da África, por que não sabiam se eram animais ou gente. Muita coisa que achamos
normal hoje, daqui a 50 anos será considerada intolerável. Os laicos vão
obrigar a Igreja a criar um espaço de debate público, que não existe. A
qualquer problema, corre-se para o bispo.
Mas as mudanças têm sido lentíssimas.
Não se mexe da noite para o dia com
1,2 bilhão de pessoas. Não se podem criar traumas, as pessoas têm mentalidades
muito diversas e, como diz o Rubens César Fernandes, do Viva Rio, o importante
é que a gente mantenha todo esse pessoal dentro da Arca de Noé. Os sociólogos
dizem que tudo pode mudar, menos o religioso, porque o ser humano tem
necessidade de segurar alguma coisa. A gente percebe que isto não tem sentido.
O sagrado também é construído através de uma linguagem e de práticas.
Esta posição está afastando muita gente.
É, há paróquias que viraram agências
de fornecer sacramento, isto está condenado. Tem de ter o sentido missionário.
É o que se está tentando fazer agora. Mas é lento. Quando eu fui da Comissão
Teológica do Vaticano, não tinha nenhuma mulher, agora já tem quatro. Não há
dúvidas de que o fim do celibato já deveria ter acontecido, Paulo VI era a
favor disso – mas uma coisa destas vai mudar a estrutura.
A questão da contracepção também está mais do que na hora de ser
enfrentada.
São questões morais que têm se ser
mudadas, mas é uma coisa lenta. No papado de Paulo VI, o cardeal de Bruxelas
disse: na minha arquidiocese é permitido camisinha – ele estava com um problema
seríssimo de explosão de Aids entre trabalhadores imigrados. Resolveu assumir e
disse: aqui é preciso usar camisinha. O Vaticano não disse uma palavra.
A Igreja não vem conseguindo acompanhar as mudanças sociais?
São rapidíssimas. Na PUC, a mudança de
uma geração para a outra se dava em 20 anos, depois passou para 10, agora com
dois ou três anos, você já vê aluno do quarto ano que não consegue entender o
calouro. É uma sucessão vertiginosa que não conseguimos mais acompanhar, que
provoca um curto-circuito na cultura.
Quem é o mais progressista entre os candidatos a Papa?
Os cardeais terão de fazer um perfil
de uma pessoa que entenda o mundo e saiba enfrentar esses desafios todos. Tem
de ter boa formação pastoral e intelectual, capaz de se cercar de pessoas
competentes. Tem um candidato de Honduras, que é uma pessoa muito possível de
dar um bom Papa. Sabe línguas, é sensível, mora no país mais pobre da América
Central: é uma pessoa que marca pela inteligência. Tem Luiz Antonio Tagle, um
filipino progressista também, mas ele é muito novo. Tem 55 anos. Mas eu duvido
que queiram colocar um cardeal de 50 anos, pois ele ficaria 30 anos. A turma
não quer isso não. Cardeal Ravasi, encarregado da Cultura, também é muito aberto.
Resumindo: o senhor diz que a Igreja tem de mudar?
Já está mudando. Ou muda ou acaba. É
um momento sério da sociedade, faltam líderes. Onde estão os Churchill, De
Gaulle, Adenauer? Não tem mais, está faltando líder. Na Igreja também, e os
problemas são muito grandes. As religiões têm um papel muito forte no mundo de
hoje, e a Igreja tem de ser uma reserva ética, apesar dos mal feitos da cúpula.
Fonte: Gospel+
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